* Luiz Henrique Ceotto

Dando sequência à série sobre produtividade, nesta parte 3 vamos comentar um pouco sobre a logística do movimento de materiais (fluxo, transporte e estoques dos insumos no canteiro) bem como o controle da qualidade e da terminalidade.

Na parte 4, próximo artigo, comentaremos os fatores indiretos (decorrentes do estágio de desenvolvimento humano do setor/empresa).

Resgatarei rapidamente alguns conceitos apresentados: Na parte 1 discutimos o conceito da produtividade e uma alternativa de medi-la com baixos custos de apropriação.

Na parte 2 iniciamos a discussão dos fatores que afetam diretamente o ganho de produtividade (fatores que dizem respeito ao estágio tecnológico da empresa) comentando sobre a influência do processo construtivo, da qualidade do projeto, da qualidade do planejamento físico e programação dos insumos da obra e, da qualidade da contratação e supervisão dos serviços.

Vamos lá:

  • Fluxo, transporte e estoques dos insumos no canteiro

Esses são itens em que o engenheiro civil dá pouca importância e são tratados com muita improvisação. São itens que consomem metade da mão de obra e cuja racionalização poderia contribuir decisivamente para um salto em nossa produtividade. A logística pode aproximar uma obra de um chão de fábrica e na sua falta torná-la uma bagunça.

Um edifício pronto pesa aproximadamente 1.200 kg/m² constituído pelo peso dos materiais que ficam agregados ao prédio (estrutura, alvenaria, tubulações, caixilhos, portas, revestimentos, etc). Para que esses materiais sejam aplicados, outros 400 kg/m² retornam para fora da obra sob a forma de sobras, entulhos, embalagens, etc, de forma que movimentamos aproximadamente 1.600 kg de materiais para cada m² que construímos. Além disso, é necessário transportar diariamente andaimes, ferramentas e equipamentos e também administrar todo o fluxo de operários e de pessoal de supervisão.

Esses insumos precisam chegar à obra, serem descarregados, transportados para os andares ou para os almoxarifados todos os dias, muitas vezes com restrições no horário de recebimento, condição atualmente presente em todas as grandes cidades. Os operários e o pessoal de supervisão precisam chegar e se identificar, irem para os vestiários e depois para os locais de trabalho. Também terão de se deslocar durante o serviço para banheiros, refeitórios, almoxarifados, etc. É um volume de transporte muito grande que precisa ser equacionado de forma muito eficiente e sua importância na produtividade é tão grande que é de se admirar a pouca prioridade dada a esse planejamento pela maioria das construtoras. Discutiremos alguns itens que podem ajudar significativamente na produtividade sem pretender esgotar um assunto tão vasto.

Dos 1.600 kg/m² aproximadamente metade dessa quantidade de materiais é usada na estrutura, ou seja, de 600 a 700 kg/m². Esse é um material transportado comumente por grua ou por bomba (concreto). Durante a construção da estrutura a grua praticamente fica ocupada com o transporte de formas, escoramentos, armaduras e eventualmente o concreto usado em pilares. Quando bem planejada, pode ser utilizada também para a subida das alvenarias paletizadas, embora isso possa ser feito pelo elevador de obra através de carrinhos paleteiros. Os restantes 700 kg/m² são movimentados verticalmente pelos elevadores de obra e outros guinchos.

  • Elevadores de obra e gruas

Tanto a grua como os elevadores de obra são equipamentos que interferem muito nos serviços de fachada e por isso precisam ser locados cuidadosamente. Para edifícios residenciais o local em que eles menos interferem é junto às varandas. Nessa posição, os únicos serviços deixados sem terminalidade são o revestimento da viga de borda da varanda, a impermeabilização, os acabamentos dos pisos e a fixação do guarda corpo. A grua é desmobilizada logo após o final da estrutura e os elevadores de obra logo após a instalação do elevador de serviço, que irá atuar inicialmente como elevador de obra sendo necessário para isso protegê-lo adequadamente contra danos. O uso do elevador de serviço como elevador de obra em edifícios residenciais tem sua utilização otimizada quando alguns cuidados de projeto são tomados tais como especificação de cabines altas (> 2,40m), porta mais larga e uma capacidade de carga maior (>1.200kg) com piso reforçado para suportar cargas concentradas. Essas especificações custam muito pouco a mais do que um elevador comum e valem a pena serem implementadas de sorte que também vão melhorar a versatilidade e desempenho desse elevador quando em uso doméstico, durante o transporte de móveis e eletrodomésticos nas inúmeras e frequentes mudanças de moradores. Para ambos os usos, obra e doméstico, é importante projetar halls com espaço suficiente para movimentação de peças mais longas.

Para edifícios comerciais a instalação da grua e dos elevadores na fachada é mais complicada, pois não possuem varandas e são totalmente vedadas e constituídas de vidro, cerâmica ou pedra. A interferência menos problemática é na fachada de vidro onde sua complementação posterior é mais facilitada do que nos demais revestimentos. A colocação da grua na fachada é menos problemática do que dos elevadores, pois a sua desmontagem ocorre num período bem anterior à desmontagem dos elevadores, os quais permanecem até pelo menos 6 meses antes do término da obra. De resto, existe a possibilidade de gruas ascensionais fixadas nos poços dos elevadores ou em vãos internos de lajes, alternativa bastante usada atualmente. A colocação do elevador de obra é sempre muito mais problemática uma vez que são usadas normalmente 2 ou mais unidades por edifício comercial. Existem algumas alternativas interessantes que valem a pena serem exploradas.

Uma alternativa interessante e pouco explorada é a colocação do elevador nos espaços deixados nas lajes para a colocação de futuras escadas de interligação entre andares. Esses espaços são deixados na estrutura e fechados normalmente com placas pré-fabricadas para facilitar sua remoção e instalação da escada em fitting-out para empresas que ocupem simultaneamente 2 ou mais andares. Para isso basta fazer com que esses espaços sejam suficientes para instalar um elevador de obra tipo cremalheira de tamanho correto para as atividades de obra e caibam também uma escada pré-fabricada futura. É necessário também ter o cuidado nos projetos de instalações (ar-condicionado e splinkers) de não passar dutos nesses espaços (somente ramais secundários) de forma a possibilitar a futura colocação da escada bem como não travar a execução dos sistemas nos andares durante a utilização pelos elevadores de obra.

Outra possível solução é a utilização de poços de elevadores contíguos (que normalmente ocorrem em edifícios comerciais) para a instalação do elevador cremalheira, deixando por último a instalação dos elevadores definitivos nesses poços. Para isso é necessário a adoção de viga metálica de separação desses poços e assim facilitar a futura fixação das guias do elevador definitivo. Também é necessário isolar esses poços com alvenaria de forma a permitir o trabalho de montagem dos elevadores nos demais poços que forem também contíguos.

  • Paletização

Não há como pensarmos na racionalização e na produtividade do transporte de obra sem pensarmos na paletização. Para receber e transportar materiais acomodados em paletes é necessário um planejamento do canteiro com bastante antecedência, na época do seu projeto. É necessário se prever docas onde o carrinho possa, sem o auxílio da grua (que estará ocupada com serviços da estrutura), ser descarregado por carrinhos paleteiros ou empilhadeira. O piso que o carrinho vai percorrer precisará estar nivelado e liso, o elevador de obra especificado nas dimensões e capacidade compatíveis com os paletes e os locais onde os paletes ficarão estocados nos pavimentos precisam ser previamente definidos de modo a não atrapalhar os demais serviços. É necessário também o dimensionamento e a especificação correta dos carrinhos (rodas de borracha) e de paletes bem como da quantidade necessária à operação.

Como o transporte com paletes é ágil, é necessário se analisar quais materiais precisam realmente ser transportados para almoxarifados e quais podem ser transportados do caminhão diretamente para o andar, reduzindo enormemente uma série de operações intermediárias. O estoque no próprio andar aliado a colocação de sensores anti-furto nas escadas também pode ser um meio eficaz de se guardar materiais mais pesados. O roubo de cerâmicas, pedras decorativas, portas, esquadrias, vasos sanitários, por exemplo, fica muito dificultado se eles estiverem distribuídos nos andares, ao contrário das grandes quantidades armazenadas em um almoxarifado. Nos almoxarifados devem ser estocados somente materiais leves e com grande valor agregado como torneiras, ferragens, equipamentos e ferramentas.

  • Controle da qualidade e da terminalidade

O que vem primeiro, a qualidade ou a produtividade? Esse é um dilema que todo administrador de obra se defronta numa obra com prazos apertados. Posso afirmar sem medo de errar que é a qualidade. Primeiro temos que acertar o processo de trabalho para a obtenção da qualidade e depois, paulatinamente, melhorarmos a produtividade. É impossível termos sucesso ao privilegiarmos a produtividade sem termos atingido previamente o nível de qualidade pretendido e muito menos fazer as duas coisas simultaneamente. Essa é a armadilha por trás de obras rápidas malfeitas.

Outro ponto fundamental na obtenção da produtividade é o controle da terminalidade e eliminação de arremates. Como nosso processo construtivo não ajuda, é muito comum vermos muitos serviços “quase” prontos. Para arrematar (eu tenho até raiva dessa palavra…) esse “quase” se destrói um pouco do serviço anterior, num círculo vicioso sem fim. Isso é particularmente evidente na obra fina (acabamentos) onde normalmente se complica sobremaneira o término de obra causando atrasos enormes e inesperados.

Para eliminação desses famigerados arremates que inundam nossas obras com desperdício e baixa produtividade é necessário um bom projeto e muito controle, pois a tendência de deixar o restinho de serviço que falta para depois é muito grande em nossa cultura. A limpeza rigorosa do local de trabalho ao término do serviço de cada dia é também fundamental, pois incentivará o respeito dos operários pelos serviços já executados. Esse é um item que precisa ser incluído como condição de pagamento de uma medição caso contrário a obra vai gastar muito dinheiro e tempo com inúmeras equipes de limpeza que nunca serão suficientes para dar conta da bagunça que vai se instalar no canteiro. É muito importante também que, antes de se iniciar um novo serviço, o local e os serviços anteriores sejam vistoriados e recebidos pela equipe que vai iniciá-lo, evitando assim paradas para arremates em serviços mal feitos ou incompletos.

Luiz Henrique Ceotto

Professor voluntário do curso de pós-graduação na Escola Politécnica da USP e consultor no programa de financiamento de projetos da Poli-EMBRAPII. Responsável pelas atividades de projeto e construção, no Brasil, na Tishman Speyer por 12 anos. Antes de ingressar na Tishman Speyer em 2005, passou mais de 20 anos liderando as atividades de construção da Encol S/A e da Inpar. Ensinou em cursos no Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de São Carlos. Engenheiro civil pela Universidade de Brasília e mestre em Engenharia estrutural da Escola de Engenharia de São Carlos (USP).

Artigo publicado em 16/05/2018 no blogdaliga.com.br

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