Somos muito otimistas e baseamos nosso negócio imobiliário num nível de incerteza absurdo. Não é à toa que o nível de mortalidade de nossas empresas é uma das maiores da economia

* Luiz Henrique Ceotto

Temos discutido muito sobre a viabilidade da Construção Civil à luz das enormes transformações que os demais setores da economia estão sofrendo nos últimos 50 anos e principalmente após o início da Revolução Digital.

De alguma forma estamos estagnados no aumento da produtividade, o aumento da qualidade, na diminuição dos riscos do negócio e na lucratividade. Não estamos fazendo parte da chamada “Indústria 4.0” e de seus desafios embora haja uma enorme ânsia dessa participação dos empresários do setor. Todos sonham com o dia que poderemos plantar uma pílula digital num terreno, “regá-la”, e em seguida vermos crescer um prédio sob controle de um aplicativo de nosso smartphone.

Os menos otimistas estão aguardando sair no mercado uma impressora 3D que imprimirá um prédio, em toda a sua complexidade, em poucos dias, somente sendo alimentada por instruções digitais e alguma matéria prima high-tech. Exageros à parte, ansiamos dar um salto para a “Construção 4.0” estando ainda na “Construção 1.0”. Em outras palavras, não pensamos que temos que fazer um bom dever de casa para atingir essa evolução, mas, sim, acreditamos, que a tecnologia, se tornando cada vez mais uma “comodity”, vai trazer o desenvolvimento tecnológico que, quando acontecer, irá nos colocar no topo da inovação.

Gestão como vetor de desenvolvimento

O professor Jim Collins da Stanford School of Business comentou em seu livro Good to Grait que “Está claro que a tecnologia e suas implicações são um item-chave em nosso inconsciente coletivo”. Isso acontece em todos os setores, mas essas implicações são maiores quanto mais atrasado é um setor na economia. A maior implicação é a espera de que a tecnologia virá um dia e resolvera todos os problemas. Algo como um conto de fadas!  A história de setores e empresas mais bem-sucedidas não mostrou que é assim.

Se analisarmos todas as soluções construtivas disponíveis no Brasil podemos afirmar que temos disponível as tecnologias necessárias para darmos um grande salto e há muito tempo. O problema é que simplesmente não as usamos. Porque isso acontece? Porque temos insistido em empilhar tijolos e reagido com desprezo e pouco interesse nas tecnologias já disponíveis há muitos anos em nosso setor?

Ao que parece, nosso problema não é tecnológico, mas de gestão.

Tenho me dedicado muito a tentar responder a essa pergunta. Creio que temos vários gargalos que dificultam uma visão gerencial e estratégica por parte das empresas e, de uma forma resumida, podemos agrupá-los nesses seis itens abaixo:

  • Culturais
  • Visão estratégica das empresas
  • Tributários
  • Capacidade gerencial
  • Estruturais
  • Financeiros

Após muitos debates com empresas e entidades pude perceber um item realmente importante e que podemos dizer que é a principal barreira para a modernização setorial e que poderíamos começar a desenrolar nosso novelo por esse ponto:

Toda a concepção de venda de imóveis “na planta” baseia-se em adequar o fluxo de caixa do empreendimento a capacidade de pagamento do comprador. Como o financiamento bancário não ultrapassa 70 a 80% do valor do imóvel, é necessário facilitar o pagamento pelo cliente da parte não financiada.

Além disso, existem regras de financiamento que determinam o valor máximo a ser disponibilizado pelo financiamento em função do saldo de vendas, e que garantem esse financiamento. Dessa forma, é necessário fazer com que o período entre o lançamento (início da venda e a finalização da obra) seja longo.

Longos prazos de obra significam o uso de processos construtivos de baixa produtividade, altos custos administrativos, altos custos financeiros e muitos desperdícios. Também acrescem demasiadamente os riscos do negócio. Ciclos longos significam riscos altos de crises econômicas durante esse período bem como crises financeiras dos clientes, aumentando muito o risco de inadimplência. Para complicar ainda mais, existe o risco do produto imobiliário “envelhecer” em longos ciclos, principalmente na atual velocidade da mudança de costumes. Também afastamos os investidores financeiros do mercado imobiliário e ficamos na mão de bancos que administram a poupança “oficial”, afinal como podemos ser atrativos com ciclos de 6 a 8 anos em cenários de tanto risco?

Criamos uma grande espiral de problemas e ineficiências por estarmos presos a ideia de que temos que alongar o prazo de pagamento para que clientes descapitalizados possam pagar.

Criamos uma “tempestade perfeita” ao implementarmos a solução “fácil”, mas não a correta?

Exagerando para exemplificar, partimos do princípio que nosso cliente vai comprar pão e no caminho compra um apartamento. Ou seja, decidimos vender um apartamento, que é um bem de valor alto e com comprometimento de longo prazo, com pouquíssimo ou quase nenhum compromisso por parte do comprador e numa compra totalmente emocional. E rezamos que durante três ou quatro anos esses compradores mantenham seus pagamentos em dia a despeito de toda instabilidade econômica e política de um país como o Brasil.

Somos muito otimistas e baseamos nosso negócio imobiliário num nível de incerteza absurdo. Não é à toa que o nível de mortalidade de nossas empresas é uma das maiores da economia.

Para acharmos a resposta certa vale a pena pesquisarmos como esse problema foi resolvido em países onde a construção imobiliária é mais desenvolvida. Como essa questão foi resolvida nos EUA, Canadá e na Europa? Os adeptos das respostas fáceis dirão: lá o financiamento é de 100% do valor do imóvel! Embora, em alguns casos e épocas isso seja verdade, na maioria dos casos não é bem assim que acontece.

Poupança programada

Um instrumento comum é a poupança programada para a compra do imóvel, solução essa que já tivemos aqui no Brasil. O mecanismo é muito simples: uma pessoa é incentivada a comprar um imóvel num processo planejado e não por impulso. Faz uma poupança com parcelas pré-estabelecidas durante dois ou quatro anos junto a um banco. Nesse período, o banco tem a oportunidade de conhecer seu cliente através da demonstração pratica de sua capacidade pontualidade de pagamento, além dessa poupança ser remunerada com juros superiores a poupança normal.

Durante esses 2 a 4 anos poupará 20% do valor do imóvel e no final desse período o banco lhe dará uma carta de credito de cinco vezes o valor poupado. Essa carta de crédito vale como dinheiro e o fará ter capacidade de negociação de imóveis prontos ou quase prontos, sem ter que esperar por anos. Os riscos para os clientes e para os bancos serão muito menores, pois o imóvel já está pronto e o cliente pronto para assumir o financiamento.

E como ficariam as incorporadoras e construtoras no financiamento da construção de seus empreendimentos? Os empreendimentos imobiliários seriam novamente atrativos a investidores se puderem agilizar seus ciclos de produção. Investidores que perceberem ciclos de 1 a 2 anos serão fortemente atraídos e financiarão grande parte da construção viabilizando o ciclo do negócio, como acontece em países do 1º mundo.

Além disso, ciclos curtos motivarão processos de gestão mais eficazes, adoção de tecnologias mais produtivas, além de economia de custos administrativos e financeiros. Teríamos uma espiral positiva nos negócios e não mais a negativa atual. A inovação na gestão e na tecnologia de construção poderia lubrificar nossas mentes e as engrenagens setoriais e poderíamos saltar para frente da economia.

É claro que isso só acontecerá com muita conversa e trabalho conjunto entre as entidades do mercado imobiliário e os bancos. Mas o ambiente de negócio hoje está cada vez melhor e tenho certeza que os bancos estão dispostos a essas conversas, afinal também estão sendo impactados pelas inadimplências. Além disso, nossas empresas ficariam motivadas em fortalecer nossas entidades representativas para nessas negociações, num novo ciclo de valor setorial.

Outras ações para a desoneração de impostos incidentes somente em sistemas construtivos industrializados poderiam ser desenvolvidas em paralelo. Quem sabe se até os governos poderiam entender que esses impostos absurdos estão inibindo a arrecadação em vez de incentivar o uso da mão de obra pouco qualificada?

A articulação do nosso setor com os demais setores da economia somente será possível com lideranças inteligentes de nossa parte. Mas isso é assunto para outro artigo.

O que nos impede de começarmos a desvendar o novelo por esse ponto?

Luiz Henrique Ceotto

Professor voluntário do curso de pós-graduação na Escola Politécnica da USP e consultor no programa de financiamento de projetos da Poli-EMBRAPII. Responsável pelas atividades de projeto e construção, no Brasil, na Tishman Speyer por 12 anos. Antes de ingressar na Tishman Speyer em 2005, passou mais de 20 anos liderando as atividades de construção da Encol S/A e da Inpar. Ensinou em cursos no Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de São Carlos. Engenheiro civil pela Universidade de Brasília e mestre em Engenharia estrutural da Escola de Engenharia de São Carlos (USP).

Artigo publicado em 04/06/2019 no blogdaliga.com.br

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