* Vladimir K. Teles
Valor Online | 23/08/2018

O Brasil provavelmente está na década de pior taxa de crescimento do PIB per capita de sua história, tendo apresentado uma taxa de crescimento negativa entre 2010 e 2017. Assim, se materializa a cada dia o receio que não estamos em uma crise conjuntural, mas sim que entramos em uma trajetória de baixo crescimento de longo prazo.

Uma das causas principais do baixo crescimento brasileiro é a queda observada na produtividade da economia. A Produtividade Total dos Fatores apresentou uma queda ininterrupta desde 2008 até 2014, último ano da série.

Mas por que a produtividade caiu tanto e mantêm-se tão baixa no país?

Estudos recentes indicam que tal queda se deve a uma piora na eficiência da alocação de recursos na economia. Uma tese de doutorado, defendida recentemente na FGV-EESP por Rafael Vasconcelos, mostra que o ano de 2005 foi o que o país apresentou o seu ponto de ápice de eficiência, quando a produtividade era a de 44,7% da que teríamos se o país conseguisse realocar seus recursos de forma perfeita. Esse patamar é similar ao da Índia, mas inferior ao da China, usando outros estudos internacionais para comparação.

A partir desse ponto a eficiência foi caindo continuamente até este índice se estabelecer em apenas 30%. O principal fator causador dessa perda de eficiência é o aumento do intervencionismo governamental no direcionamento dos investimentos do país. Nesse ponto cabe destacar que quando uma firma recebe crédito subsidiado do BNDES, por exemplo, recebe vantagens em comparação a suas concorrentes, de forma que a redução dos juros a que foi exposta ajudará especificamente a esta, mas prejudicará as demais. Logo, o efeito agregado não será necessariamente positivo. O mesmo raciocínio aplica-se para o caso de desonerações fiscais direcionadas.

O caso de crédito direcionado é apenas um exemplo de como os recursos da economia são realocados de forma ineficiente. O Brasil convive há décadas com protecionismos a setores, categorias ou firmas. Foi assim com o café no início do século passado e foi assim com as campeãs nacionais eleitas para receber crédito especial do BNDES na última década. O Brasil, que já tinha instituições impregnadas com protecionismo, resolveu dobrar a aposta a partir de 2006.

Cada setor tem seus lobistas, que defendem teses virtuosas, que acarretam em redução da concorrência

Os produtos e setores podem mudar, mas a o fracasso das políticas que partem do pressuposto que devemos proteger determinado “setor estratégico” continua retumbante. Os seus frutos são redução da competição, da produtividade, punição ao consumidor, em especial o mais pobre, e travar o desenvolvimento brasileiro.

O Brasil foi capturado por interesses particulares de diferentes formas, e necessita de reformas para alavancar sua produtividade. Quais seriam então as reformas capazes de elevar a produtividade?

No primeiro semestre deste ano, pude coordenar um conjunto de eventos na FGV-EESP onde diversas propostas de reformas foram apresentadas e debatidas por dezenas de professores, pesquisadores e profissionais das áreas relacionadas. Diversos problemas foram considerados com propostas para reformas previdenciária, política, educacional, orçamentária, de infraestrutura, dentre outras, que são fundamentais para alavancar o desenvolvimento brasileiro, das quais destaco de forma resumida quatro propostas que teriam impacto significativo na produtividade:

Funcionalismo público. A partir de dados da Pnad/IBGE verifica-se que nos últimos 20 anos o salário médio do funcionário público aumentou 51,2% em termos reais, enquanto que o dos trabalhadores do setor privado com carteira assinada aumentou 10,8%. O crescimento dos salários do setor público destoa de qualquer medida de qualidade pelos serviços prestados ou condições da economia, e foge de qualquer accountability da população. As regras de revisão salarial, estabilidade e avaliação dos funcionários públicos precisam ser revistas, não apenas para garantir sustentabilidade fiscal, mas também para elevar a qualidade dos serviços, reduzir o viés alocativo e elevar a produtividade do país.

Abertura econômica. O Brasil é um dos países mais fechados do mundo, cuja soma de importações e exportações sobre o PIB mantêm-se em torno de 20% nos últimos 20 anos. No mesmo período o volume de comércio mundial aumentou significativamente para todos os grupos de países similares, especialmente nos anos 2000. Tal estagnação do comércio brasileiro pode ser explicada em parte por um aumento expressivo de medidas antidumping para proteção de “setores estratégicos”, mas em prejuízo do consumidor. Uma política de redução de tarifas de importação em especial para compra de bens intermediários, máquinas e equipamentos, bem como a revisão do processo para aprovação de medidas antidumping seria uma fonte de ganho de produtividade fundamental para a economia brasileira.

Reforma tributária. O sistema tributário brasileiro é altamente complexo, burocrático, produz significativa insegurança jurídica, e é desigual sendo regressivo e privilegiando setores que têm maior capacidade de fazer lobby. Tal sistema gera distorções na alocação de investimentos e estimula corrupção, resultando na perda de produtividade. Assim, há a necessidade da reformulação do sistema tributário. Em especial, sobre os impostos sobre consumo, é possível a consolidação de um imposto único igual para todos os setores, que tira poder dos grupos de interesse particulares, e empodere o consumidor.

Revisão da rede de proteção social ao trabalhador. O Brasil possui diversos programas de proteção ao trabalhador com desenhos distintos, que movimentam um volume de recursos por ano de cerca de R$ 200 bilhões. Porém tal rede não foi arquitetada como um sistema integrado. Como consequência temos um desenho que produz uma elevada rotatividade de emprego dos trabalhadores e informalidade. É possível unificar os programas e redesenhar, sem reduzir o montante de recursos, para passar a conferir incentivos adequados aos empregadores e trabalhadores.

Cada setor tem seus lobistas, que defendem teses aparentemente virtuosas, mas que sempre acarretam em perdas ao consumidor, redução da concorrência, da produtividade e do crescimento. O Brasil precisa se conscientizar que, para crescer, o consumidor precisa ser protegido e não setores ou categorias.

* Vladimir K. Teles é professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) na Escola de Economia de São Paulo (EESP). Este artigo expressa opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.

Artigo reproduzido do Valor Online, em 23/08/2018, no site da Abic.

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