Com previsão de crescimento de 2% do seu PIB interno e geração de cerca de 110 mil novos postos de trabalho neste ano, o setor de construção civil vive momento de alta demanda e enfrenta um conhecido desafio para a expansão do segmento: falta de profissionais qualificados para atuar nos canteiros de obras.
Mestres de obra, carpinteiros e pedreiros bem formados são cada vez mais difíceis de encontrar no mercado, o que tem elevado a concorrência entre empreiteiras e construtoras para garantir os times de trabalho e o cumprimento dos cronogramas de construção.
O fenômeno foi confirmado por companhias do setor no levantamento feito pela Comissão de Políticas de Relações Trabalhistas da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) no último trimestre de 2021. A dificuldade de contratar trabalhadores foi apontada por 77% das empresas ouvidas. Desse total, 56% alegaram dificuldade de encontrar profissionais no mercado, 59% reclamaram da falta de qualificação, e quase 29% disseram que o valor da remuneração está muito elevado.
Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), a indústria da construção civil já tem os melhores salários médios de admissão (R$ 1.843,79), perdendo somente para o setor de serviços (R$ 1.947,92).
“Esse tema voltou ao centro do debate a partir do terceiro trimestre de 2021 com o aquecimento do volume de obras em andamento”, diz Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre).
Segundo ela, ocorrência semelhante aconteceu em 2010, quando houve um grande esforço setorial para qualificar os trabalhadores. Porém, o resultado desse movimento de construtoras e incorporadoras foi prejudicado com a retração das atividades da indústria nos anos seguintes. “Em seguida, a pandemia acabou por desorganizar ainda mais o mercado”, pontua.
EMPREGOS PERDIDOS
O vice-presidente de Capital-Trabalho do Sinduscon-SP, Haruo Ishikawa, concorda com a análise e ressalta que a indústria da construção perdeu boa parte de seus trabalhadores qualificados durante a crise econômica que paralisou as obras no período 2017/2018.
“Esses profissionais foram para outros setores da economia e, quando os negócios na área do mercado imobiliário voltaram, em 2019 e 2020, o setor precisou recuperar mais de um milhão de empregos”, informa.
A solução, segundo Ishikawa, tem sido a capacitação dos trabalhadores entrantes (ajudantes de obras, em sua maioria) no próprio canteiro de obras. Além disso, diz ele, muitas companhias desenvolveram e vêm implementando programas próprios de qualificação, com concreteiras e empresas de pré-fabricados, artefatos de cimento e construtoras investindo em cursos profissionalizantes para os funcionários.
“Há ainda o trabalho do Senai na área de aprendizado profissional”, informa ele, reforçando que o movimento de capacitação de mão de obra por parte de construtoras e incorporadoras não tem sido suficiente para evitar o aumento do custo das obras em razão dos salários inflacionados. “O momento é de muita concorrência no mercado e, não raro, uma obra “rouba” o operário de outra, com a oferta de uma remuneração de 10% a 15% maior”, afirma.
Na avaliação de Ely Wertheim, presidente executivo CEO do Secovi-SP, a desorganização da cadeia de produção da indústria decorrente do período pandêmico agravou ainda mais o problema. Para o executivo, a situação é passageira e deve ser equacionada até o fim deste ano, com impacto reduzido especialmente no segmento de alto padrão. “Companhias que trabalham com empreendimentos de médio e alto padrão têm margens mais flexíveis e condições de oferecer salários melhores e cumprir prazos de entrega.
Para o presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Antônio França, a elevação da complexidade das tarefas na construção civil atual também pressiona os investimentos privados em capacitação.
“Cada vez mais são necessários treinamentos periódicos e aprimoramentos para o trabalhador poder acompanhar as novas tendências e exigências do mercado”, destaca.
Na opinião do executivo, esse cenário tem também um efeito positivo: o crescimento da qualidade técnica dos profissionais.
“Com acesso a novas tecnologias, um trabalhador que começa a carreira como servente pode, em pouco tempo, executar tarefas mais complexas, o que também abre espaço para novos entrantes no mercado.”
Curso de qualificação pode ter custo zero para as construtoras
O avanço da tecnologia aplicada à construção civil e a utilização de novos materiais para fundações, estruturas e acabamento das edificações têm exigido níveis cada vez maiores de instrução do trabalhador que pretende atuar no setor. Para aprimorar a qualificação dos empregados, muitas construtoras têm investido em capacitação interna.
É o caso da Trisul S.A., que desenvolve um programa próprio de aprimoramento em seus canteiros de obras desde 2019. A iniciativa já qualificou mais de 60 operários nas habilidades azulejista e pedreiro de elevação de alvenaria e de argamassa de fachada. Roberto Pastor Júnior, diretor técnico da construtora e responsável pela área de qualificação, informa que os trabalhadores que passaram pelo programa conseguiram obter melhoria salarial média de 40%.
“O interesse deles em aprimorar suas habilidades é crescente”, afirma Pastor, acrescentando que as aulas são realizadas no fim do turno e contam com grande adesão. Ele prevê a formação de duas novas turmas até o fim de fevereiro: de pedreiro de fachada e de azulejista. Os cursos têm duração de dois meses.
Outro caminho disponível para as empresas do setor é uma parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), que também oferece um curso volante e gratuito, o programa Aprendendo a Construir, que leva o conhecimento diretamente para a obra por meio de videoaulas e material didático impresso.
Dentre os cursos mais procurados estão os de carpinteiro, armador, pedreiro, gesseiro, eletricista e encanador. Eles têm carga horária de 160 horas, com aulas práticas e teóricas, e podem ser customizados conforme a necessidade de formação indicada pela construtora.
Matéria publicada no Valor Econômico