Brasil deve aprofundar debates fiscal, distributivo e de produtividade após reação inicial à crise, diz diretor do Ibre/FGV

O Brasil estava tão despreparado para lidar com um desafio como o imposto pela pandemia de covid-19 que a resposta das autoridades à crise até foi acima do que se poderia esperar, avalia Luiz Guilherme Schymura, diretor do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV).

“É muito difícil criarmos programas num país tão despreparado para esse tipo de situação. Acho que nossa resposta foi até acima do esperado, do ponto de vista da visão negativa que temos do Estado brasileiro. Ele acabou respondendo aquém do que gostaríamos, mas além do que esperaríamos”, disse na Live do Valor da última quinta-feira (23/07).

Embates políticos complicam a reação e geram um “custo grande para a sociedade”, segundo o economista, mas ele reconheceu também que instituições de países emergentes como um todo “não estão preparadas para uma situação dessas”. “E mesmo no primeiro mundo tem muita dificuldade de lidar com isso”, ele acrescentou, citando os Estados Unidos.

Para Schymura, o SUS, por exemplo, deu uma resposta “bastante satisfatória”. “Percebemos quão importante é ter um sistema mais estruturado de saúde”, disse. Ele citou também a velocidade impressionante de aprovação do auxílio emergencial.

Outras medidas, como de crédito a pequenas e médias empresas, têm encontrado mais dificuldade, mas, segundo Schymura, essa não é uma tarefa simples no país já há um tempo. “Além disso, temos a dificuldade do lado fiscal, sempre o temor de que ele pode sair de controle, de como os agentes econômicos vão interpretar isso”, disse.

Ele destacou o elevado grau de incerteza desta crise ao mencionar o desempenho do Índice de Incerteza da Economia (IIE-Br), calculado pelo Ibre. “Na série, no maior grau de incerteza, em momentos como a transição do governo FHC para Lula, na crise de 2008, no impeachment da Dilma, quando o Brasil perdeu grau de investimento ou no estouro da questão do Temer com Joesley, em todos esses momentos ele nunca ultrapassou 130 pontos. Em abril, chegou a 230. É uma coisa abissal, inacreditável. Eu nem sabia que conseguiríamos chegar nesse nível de incerteza, é como se tivesse estourado o termômetro”, afirmou.

O índice já recuou e ronda atualmente 170 pontos, o que ainda é um nível extremamente elevado, observou Schymura.

Expectativas têm um papel fundamental nesse cenário, segundo ele. “No momento em que se começa a perceber que a pandemia está sendo controlada, começa a haver cobrança: será que a dívida vai conseguir ser rolada, conseguiremos equilibrar a situação fiscal?”, exemplificou.

“De outro lado, pessoas que perderam o emprego aceitam essa condição hoje porque entendem que a pandemia gerou uma parada brusca da economia, mas todo mundo quer ter emprego, de alguma maneira esperam que o governo e a classe política providenciem para que não fiquem desempregadas”, afirmou.

Conforme o país for saindo de um momento mais agudo da crise, Schymura disse esperar um retorno aos debates sobre “disputa distributiva”. “A briga para manter o fiscal sob controle, políticas de incentivo de geração de emprego e crescimento, outras políticas para atender os mais vulneráveis, programas sociais que consigam manter a condição mínima de dignidade das pessoas”, listou.

Para ele, a ideia do governo de unificar diversos programas de proteção social existentes em torno de uma única renda básica faz sentido. “Tem que focar mesmo, não temos espaço fiscal muito grande”, disse. “Isso conceitualmente é lindo, só que, na prática, é muito mais complicado de fazer, porque alguns vão perder, outros vão ganhar”, afirmou.

Por isso, diz, é importante que o governo apresente logo sua proposta. “Montar esse programa não vai ser tarefa simples, vai ser um debate acalorado. O importante é que o governo lance mão logo, que se comece a discutir rápido com o Congresso e que se dê um norte com relação a esse programa, porque o que a gente vê pela frente é intensa agenda de debates e demandas, e não podemos esquecer que a questão fiscal é fundamental que se dê um tratamento”, disse.

Na avaliação do economista, o teto de gastos “está com os dias contados”, mas, para ele, existe hoje um amadurecimento suficiente do debate das contas públicas no país para encontrar uma solução que o substitua e atenda às necessidades de garantias fiscais.

Com o crescimento do déficit primário e do endividamento, diante do aumento de gastos para fazer frente à pandemia, Schymura afirmou ser inevitável uma elevação da carga tributária, algo como o retorno da CPMF ou o aumento da Cide. Essa deve ser, no entanto, uma resposta temporária e de curto prazo, segundo ele. “Não devemos manter essa política porque ela é desastrosa, gera muita ineficiência para a economia”, disse.

O aumento de impostos é, inclusive, prejudicial do ponto de vista da produtividade do país, um tema que Schymura gostaria de ver mais em debate. “Seria importante o país colocar essa agenda da produtividade. A impressão que tenho é que nesse momento a discussão vai ser apenas para o ajuste fiscal, que é prioritário, mas é importante também que as medidas que venham a ser aprovadas tenham em mente a questão da produtividade”, afirmou.

Em um âmbito mais estrutural, o diretor do Ibre/FGV citou a importância do combate a monopólios e a resistência a pressões de grupos de interesse organizados, de forma que também haja a defesa de “interesses difusos”. Essas são questões importantes, por exemplo, para debate da reforma tributária. “Cada um fica tentando defender o seu e, quando gera o agregado, temos uma carga tributária bastante alta para a distribuição de renda que nós temos. Temos uma distribuição de renda muito ruim e uma carga tributária muito alta, é uma coisa até difícil de entender”, afirmou.

Ele reconheceu, porém, que retomar o debate da reforma tributária após o choque que os serviços sofreram na pandemia será um desafio adicional, já que o setor era um dos que mais alegava perdas com as mudanças propostas.

Fonte: Valor Econômico